terça-feira, 16 de agosto de 2011

0

Medicalização do cotidiano

Compartilho com vocês um documentário sobre o boom da medicalização em todo o mundo e como o mercado passou a ser mais importante do que a saúde e o bem estar das pessoas. O documentário é estadunidense, entretanto o problema é global e também ocorre no Brasil, um bom exemplo dessa realidade está no texto de Ana Cláudia barros, publicado no portal terra

O marketing da loucura


Esta é a primeira de 18 partes do documentário postado no youtube, vale a pena conferir

Psicóloga: Ao invés de reverem a educação, usam Ritalina
Ana Cláudia Barros

O aumento do consumo de Ritalina na rede municipal de saúde de São Paulo não
é pontual. O Brasil é o segundo país que mais utiliza o Cloridrato de
Metilfenidato (princípio ativo do medicamento), perdendo apenas para os
Estados Unidos, destaca a representante do Conselho Federal de Psicologia,
Marilene Proença. A substância é adotada no tratamento de Transtorno de
Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

Não são poucas as hipóteses levantadas para explicar esse crescimento. Na
avaliação de Marilene Proença, a Ritalina, apelidada pelos críticos de
"droga da obediência", tem sido adotada como subterfúgio para escamotear
falhas no sistema educacional.

- Estamos tendo uma precarização da qualidade do ensino oferecido para
alunos na fase de alfabetização. Se a criança não está atenta na escola, se
não está escrevendo corretamente como deveria, isso é um problema
educacional, pedagógico. Quer dizer que não estamos conseguindo dar conta de
uma alfabetização adequada. Mas de repente, há uma epidemia de crianças que
não prestam atenção? Não faz sentido. Nasceu uma geração que não presta
atenção? A geração anterior prestava e a atual não presta? - indaga
Marilene, que também é membro da diretoria da Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional.
A mudança de comportamento estaria sendo feita pela medicação, e não por
uma pedagogia adequada

- Consideram que o fato de o aluno não aprender não tem a ver com a questão
pedagógica, mas é um problema dele, como se fosse algo orgânico que tivesse
dificultando a aprendizagem. A mudança de comportamento estaria sendo feita
pela medicação, e não por uma pedagogia adequada - completa.

Já para a professora titular do Departamento de Pediatria da Unicamp, Maria
Aparecida Moysés, há uma tentativa de "abafamento dos questionamentos".

- Ritalina e Concerta (também tem o Metilfenidato como príncipio ativo)
estão sendo prescritos para crianças que incomodam. Existe uma pressão da
indústria farmacêutica, mas creio que há também o ideário de um abafamento
de questionamentos, de normalização das pessoas. Todos homogêneos. Pode ser
que não seja esse o objetivo, mas é o que acaba acontecendo, porque toda
criança que questiona tem TDAH. Você medica e aborta o questionamento.
Estamos cada vez mais usando remédio para tudo. Não há mais gente triste. Há
gente deprimida. A tristeza incomoda. Te mandam tomar um Prozac. A vida está
sendo retirada de cena, porque é irregular, caótica, tem altos e baixos,
diferenças. O que está acontecendo é que quem não se submete é quimicamente
assujeitado.

*Quadro nacional*

De acordo com a representante do Conselho Federal de Psicologia, Marilene
Proença, os conselhos regionais da categoria irão promover ações locais para
"levantar a problemática em seus estados".

- Até novembro, esperamos ter um quadro nacional - afirma.

Dados do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos mostram
que de 2000 a 2008, a venda de caixas de metilfenidato saltou de 71 mil para
1.147.000, um aumento de e 1.615%. Os números não consideram receitas de
medicamentos manipulados ou comprados pelo poder público.

A comercialização da Ritalina é regulada pela Agencia Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Embora o medicamento - classificado no anexo da Portaria
344/98, na lista das substâncias psicotrópicas -, só possa ser adquirido com
receita especial, é fácil consegui-lo clandestinamente. Uma breve busca pela
internet revela que não são esporádicas as ofertas da droga.

Relatório do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados
(SNGPC) da Anvisa de 2009 - dado mais atualizado da entidade sobre o
metilfenidato - destacou que há vários estudos e questionamentos quanto ao
uso massivo e efeitos secundários da substância, "pois sua utilização já
está ocorrendo entre empresários, estudantes, para emagrecimento e até em
uso recreacional na forma triturada como pó ou diluído em água para ser
injetado".

O relatório informa ainda que a maior preocupação em relação ao Cloridrato
de Metilfenidato está, na verdade, relacionada ao seu "mau uso", e não à
utilização da substância nos casos de TDAH. Mas pondera ao ressaltar que o
medicamento não é indicado para todos os pacientes da doença. O documento
acrescenta :
Hoje, existe uma pressão muito grande para o desempenho de qualidade,
principalmente em adultos

- Segundo estudo publicado em 2009, somente entre 2002 e 2006, a produção
brasileira de metilfenidato cresceu 465 por cento. Sua vinculação ao
diagnóstico de TDAH tem sido fator predominante de justificativa para tal
crescimento. Mas os discursos que circulam em torno do tema e legitimam seu
uso também contribuem para o avanço nas vendas.

A psicoterapeuta Cacilda Amorim, do Instituto Paulista de Déficit de Atenção
(IPDA), ressalta que as exigências do mercado de trabalho têm provocado
aumento na procura por estimulantes cognitivos.

-Hoje, existe uma pressão muito grande para o desempenho de qualidade,
principalmente em adultos, em situações de trabalho que não garantem as
condições mínimas para que isso seja possível. Em qualquer área, a
quantidade de coisas que se espera que a pessoa faça, aprenda, desenvolva.
Se não desenvolver, ela se sente inadequada.

*"zombie like"*

Crítica implacável do traramento com Ritalina, a professora da Unicamp,
Maria Aparecida Moysés afirma que a aparente calma promovida pela droga em
crianças não é efeito terapêutico, mas "sinal de toxicidade".

- Tem o mesmo mecanismo de ação das anfetaminas e a cocaína. Ele é um
derivado de anfetamina. É essa a complicação. Ele age aumentando a
concentração de dopamina nas sinapses. A dopamina é um neurotransmissor
associado às sensações de prazer. Não é todo mundo que fica mais
concentrado. Em torno de 40, 50% ficam mais focado, que é o efeito da
anfetamina e da cocaína. Mas foca a atenção no que passar na frente, não
necessariamente nos estudos.

Segundo ela, as reações adversas acontecem em todo os órgãos.

- No sistema nervoso central, você tem psicose, alucinação, suicídio, que
não é desprezível, cefáleia, sonolência, insônia. Um dos mais importante é
um efeito que, em farmacologia, é chamado de "zombie like". A pessoa fica
contida em si mesma. Passa a agir como se estivesse amarrada. No sistema
cardiovascular, por exemplo, os efeitos são hipertensão, arritmia,
taquicardia, parada cardíaca. É uma droga perigosa. Eu não daria para um
filho meu.

Nenhum comentário: