segunda-feira, 15 de agosto de 2011

0

Como vai a medicina?

Segue abaixo um texto muito interessante sobre uma realidade que mostra a lógica vigente em instituições onde a saúde das pessoas é deixada de lado em favor da política e como o tipo de formação dos profissionais da saúde, criam um outro olhar, este voltado ao paciente, algo que infelizmente deixou de ser o óbvio. O texto de cara fala sobre a área médica, porém nas entrelinhas podemos perceber questões da educação e as possíveis saídas para um aparente caos tão disseminado no contemporâneo.    

Esta carta conforta, é humanidade em ação ; Como vai a Medicina?
- carta de um ex-aluno da uff

Notícia boa, eu compartilho rapidim,
Luiz Fernando

Prezados professores,
  Gostaria muito de compartilhar com vocês as minhas experiências e constatações em um mês de formado. É impressionante como o atendimento e o olhar dos alunos da UFF é diferenciado em relação aos pacientes. Estou trabalhando em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) com vários colegas formados na UFF e lá percebo por conversas e por comentários dos próprios pacientes que tal médico é muito bom porque soube ouvir a queixa, porque o examinou, explicou sobre a doença, etc. Quando percebo vejo que estão falando dos colegas que se formaram comigo na UFF. No início confesso que fiquei um pouco assustado com tais comentários, pois na minha cabeça esse é o nosso papel: ouvir, examinar, pensar e orientar. No entanto, com o passar dos plantões a grande constatação que tive foi que muitos dos colegas médicos estão alí para fazer a fila andar! Mal colhem uma anamnese, ou sequer olham para o paciente. São absurdos que me deixaram perplexo e reflexivo. Conversando com meus colegas de turma (que estão trabalhando em locais diversos) a reflexão e a indignação são as mesmas, porém a atitude de ação é contrária. Da mesma maneira ouvem, examinam, pensam e orientam sem ter a coragem de mandar o paciente para casa sem pelo menos uma sucinta anamnese e exame físico. Será que isso é a síndrome do recém-formado? Medo de perder o carimbo? Não acredito. Acredito na síndrome dos bem-formados que foram orientados ao longo de toda a formação médica em relação a necessidade de um olhar diferenciado e de uma medicina mais humanizada que vai além dos conhecimentos médicos propriamente ditos. Posso dizer que é unânime a nossa preocupação em não errar e fazer uma boa medicina. Essa constatação pode até ser sumária, mas comparo com os colegas de outras faculdades e vejo sim que a nossa formação na UFF é o diferencial. Por mais que haja dificuldade de aceitação, por alguns motivos que conhecemos, vejo que os conceitos que fazem parte do Programa Prático Conceitual de nosso currículo (Medicina Preventiva e social e TCS) se incorporam aos conhecimentos médicos propriamente ditos. É uma pena que nem todos percebem isso! Reconheço que o currículo precisa ser reestruturado corrigindo erros, diminuindo repetições, modificando as formas de abordagem, etc. Porém, tenho claro que a sua estrutura é o caminho e é fundamental para uma boa
formação médica. Para melhor exemplificar, reflito sobre duas situações em que presenciei essa semana, e que confesso que me deixaram bastante assustado devido as barbaridades e o péssimo atendimento de alguns colegas médicos que sequer olham, ouvem ou examinam o pacientes. Revi dois pacientes já atendidos na UPA com a queixa principal não resolvida algumas consultas anteriores. A queixa principal do paciente era tosse purulenta e febre há um mês. Porém, quando "perdi" 10 min na minha anamnese suspeitei de AIDS e suas complicações infecciosas, e quando examinei em 5 min tive a certeza do diagnóstico apenas ao juntar dados clínicos com as úlceras orais. E sabe o que fizeram com ele? Penicilina Benzatina e Amoxicilina para tratar amigdalite bacteriana!!!!. Consegui providenciar os exames e infelizmente mais um caso de AIDS foi confirmado! Outra situação foi a revisão de uma paciente com queixa de dor devido a uma hérnia inguino-escrotal. Reabro sua ficha e me deparo com a triste anamnese: Dor nas pernas; Diagnóstico: Mialgia; Tratamento: Dipirona Intramuscular?!!!! Fiquei me questionando o porque daquilo. Será que era para não ter que palpar a hérnia do paciente? Confesso que não sei. O fato é que apenas ouvindo o paciente e observando cheguei a conclusões e pude ajudá-lo da melhor maneira possível. Tudo isso me levou a refletir: Como vai a Medicina? Os pacientes me acham o melhor médico do mundo porque ouço, converso, examino e explico. Não que o seja, mas a banalização da medicina se tornou tamanha que quando retomamos a verdadeira prática médica somos vangloriados. Será que esse não deveria ser o papel de todo médico? Muitas das queixas se resolvem em um simples esclarecimento. A medicina não é feita de remédios e exames complementares, mas é feita pelo contato, pelo olhar, pela conversa e por conhecimentos técnicos científicos, que nos conduzem a utilização de outras tecnologias para a resolução dos problemas. A impressão que fica é de que a UFF apesar das dificuldades tem formado médicos antenados e preocupados com a saúde e qualidade de vida do paciente. Sabemos que os problemas são muitos, as soluções diversas, o movimento de mudança é lento, mas uma coisa precisamos ter em mente: A UFF está no caminho certo para a formação de médicos mais humanos e pensantes no que tange ao entendimento do paciente e ao contexto social e cultural em que esse está inserido. Parabéns aos professores que lutam e insistem em buscar uma melhor formação e uma transformação dentro da nossa universidade.


  Rafael Cangemi Reis


Nunca diga: Isso é natural! Para que não passe por imutável
(Bertold Brecht)

Nenhum comentário: